Ela

5:25 PM Comment0 Comments

Ela estava entediada do apartamento que um dia fora um sonho de consumo. Seu marido encontrava-se resolvendo problemas da firma e seu filho tendo um dia magnífico no colégio. Pelo menos era o que ela achava ou gostaria que estivesse acontecendo. Nada fazia sentido, nada tinha significado, mas a vida corria e depois de tanto desejar, batalhar, sofrer e chorar, era hora de descansar ou então de agir mais um pouco. Mas agir de que jeito? O que alguém que tem tudo pode fazer da vida? Talvez compras, talvez viagens. Mesmo com todas as possibilidades, nada poderia preencher de verdade o vazio. Um vazio abstrato, um vazio real.

Mais um dia estava se acabando e ela continuava a se questionar. Questionava-se sobre as pessoas, questionava-se sobre o dinheiro. Era alguém, uma pessoa bastante influente da alta sociedade, se é que isso ainda existe. Sabia de moda, de etiqueta, de receitas. Iria completar 25 anos de casamento e seu filho parecia estar encaminhado para uma boa faculdade. Tinha uma equipe de funcionários para lhe servir e podia ver o mar de todos os cômodos de sua cobertura. Tudo era perfeito, com o que se incomodar?

O jantar já estava sendo servido e ninguém em casa para acompanhá-la. O salmão com molho de maracujá parecia estar divino, mas nem o paladar conseguia desviar os pensamentos. Seria melhor morrer do que viver daquele jeito. Sabia que seu filho estava vagando por aí atrás de drogas e que seu marido estava procurando garotos de programa para curtir o início do fim de semana. O que fazer? Dividir suas angústias com as outras pessoas? Não, seria muita exposição. Recorrer à família? Seria a pior escolha, pois cortara relações com todos, achando que só estavam de olho em sua posição de destaque.

Sentia-se num beco sem saída e via que os pensamentos não paravam de chegar. Meu filho, meu marido, minha casa, minhas angústias, minha solidão. Alguma atitude ela tinha que tomar, pelo menos, para poder pensar em outras coisas. Algum possível passatempo. Pintura? Artesanato? Bordado? Não, sua paciência era curta demais e não tolerava a idéia de poder errar e colocar toda uma obra a perder. Livros? Talvez, mas a maioria deles falava de temas que não lhe despertava interesse. Música? Boa idéia, procurar CDs poderia ser algo interessante, além de dar um pouco de vida ao lugar onde o silêncio pairava desde cedo.

Sua coleção continha, em geral, discos clássicos de Jazz, mas também tinha espaço para a modernidade e os sons do Brasil. De Miles Davis até a música inspiradora de Marisa Monte, eram diversos os álbuns que tocavam nas festas. Até algum tempo atrás, seu marido fazia questão de não se render a tecnologia e continuar com o vinil, mas depois de ter que esperar muito para encontrar raridades, decidiu entrar no universo digital e contratou um rapaz para atualizar seu catálogo inteiro. Foi um longo processo. Agora, ela estava revirando tudo aquilo atrás de algo que a fizesse sentir confortável. Nada.

Decidiu ir para o quarto e se deitar. O sono era o seu único refúgio naquele momento. Quem sabe um novo dia não chegasse trazendo alguma idéia inspiradora. Quem sabe.